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domingo, 13 de setembro de 2009

O perigo das redomas de vidro e da superproteção

Querer ter um filho é algo comumente esperado em determinada época da vida de uma pessoa. No entanto, nos dias de hoje, a decisão de ter um rebento costuma ser adiada (eu que o diga) e o número de filhos é bem mais restrito. A maioria das famílias consta de pessoas que trabalham fora a maior parte do tempo e os cuidados com os pequenos acabam delegados a terceiros.

Para suprir a ausência, os pais costumam se tornar superprotetores e, por vezes, tentam substituir sua presença por presentes. Sem falar que - parece - são incapazes de incluir a palavra não no vocabulário que usam com os filhos. O resultado? Filhos que são verdadeiros ditadores. É isso, estamos vivendo a geração dos filhos ditadores. Eles dizem o que querem, como querem e quando querem. Não podem ser contrariados. E, ainda, apesar disso tudo (ou em consequencia disso tudo?) são infelizes.

Sei que saber educar com equilíbrio é um grande desafio (não sou mãe ainda mais sou educadora). E sei também que existem famílias que conseguem driblar as armadilhas de se tornarem reféns os próprios filhos. Sempre quem penso sobre a maternidade me vem a mente não só o período de gestação e nascimento, mas também o futuro, a educação na infância e na adolescência. E vem a pergunta: será que darei conta? Será que conseguirei ser flexível e equilibrada, sem exageros para um ou outro extremo? Saberei o momento de dizer não? Ou cairei na armadilha e me tornarei refém da minha própria cria? Desejo ter equilíbrio nessa difícil tarefa que é educar um ser humano.

O que motivou essa postagem? Um conto interessante que acabo de ler na comunidade "Pediatria Radical", entitulado "O principezinho tirano". Deixo-o registrado aqui, para que me sirva de reflexão em momentos futuros.


O principezinho tirano

Num reino longínquo, uma rainha desesperava-se por não ter filhos.

– Temos de ter um! Temos de ter um!, gemia o rei. Para quem ficará este soberbo reino que me deixou o meu pai, que o recebeu do seu pai, e assim sucessivamente, desde a criação do primeiro pai sobre a Terra? A quem entregarei a minha coroa quando os meus ossos se tornarem velhos e quebradiços, quando estiver cheio de cabelos brancos e tolhido de reumatismo?

– Que quadro tão terrível da velhice! Mas não deixa de ter razão: precisamos ter uma criança.

A rainha consultou todos os manuais e os médicos mais poderosos e mais sábios. Por fim, graças aos tratamentos, finalmente engravidou.

– Cuidado, este principezinho será seu tesouro, mas não lhe dêem mimo demais. Não tenham pressa em fazer dele um pequeno rei, preveniu o médico, assim que o bebê nasceu.

Mas mal ele virou as costas, a rainha pegou logo o pequeno príncipe e começou a enchê-lo de mimos.

– Tu és o meu reizinho, o meu único rei, e os teus desejos são ordens.

Os pais meteram o menino numa redoma infinitamente preciosa e, todas as manhãs, uma criada diplomada levava-lhe mamadeiras de cristal com leite da melhor qualidade e mel de abelhas raras. Dormia num colchão de pétalas de rosa colhidas na Abissínia exatamente às 5 horas da manhã -– quando estavam mais frescas -– e em lençóis bordados a ouro. Para servir o menino, uma dúzia de criadas corriam de um lado para o outro durante o dia e, à noite, dormiam a seus pés. Estava protegido de tudo: da mais leve brisa, do menor sopro… Para o aquecer, os pais mandaram construir um sol artificial, que não queimava a pele, mas fornecia vitamina D. Foi assim que o garotinho cresceu, tranqüilamente, em silêncio. Seus desejos eram ordens, sempre atendidas prontamente.

No dia em que completou 7 anos, pareceu conveniente aos pais tirar a criança adorada da sua redoma de vidro.

– Meu pequerruchinho, agora já és grande!, disse a mãe, aproximando-se para lhe fazer um carinho.

– Não sou pequerruchinho coisa nenhuma, disse o príncipe com desdém. E se quer me beijar, autorizo que me beije os pés. É o quanto basta.

Depois, dirigiu-se ao pai:

– Ei, velhote, passa para cá a sua coroa!

O rei entregou-lhe a coroa sem dizer uma palavra, porque nunca havia dito “não” ao principezinho, nem quando ele tinha 1 dia, nem quando ele tinha 3 meses. Como proibi-lo então de alguma coisa aos 7 anos? E foi assim que o principezinho se transformou em rei. Um rei tirano de 7 anos e alguns dias. Mandou cortar todas as árvores, porque um dia lhe caiu uma ameixa na cabeça; ordenou que todos os pássaros fossem estrangulados, um a um, porque cantavam de manhã muito cedo e isso atrapalhava seu sono; determinou que sua mãe fosse presa no 749o andar da mais alta das suas torres, porque ela tinha se atrevido a mandá-lo fazer os seus deveres reais. É o que por vezes acontece quando se é criado numa redoma.

O pior é que, apesar dos seus caprichos, ele tinha sempre um rosto infeliz e gritava:

– Sinto-me sozinho! Estou triste! Ninguém gosta de mim!


PARA CONHECER MAIS:

Sobre o narcisismo: uma introdução (1914). Obras completas. S. Freud. Imago, 1979.

Os complexos familiares na formação do indivíduo.Outros escritos. Lacan.Zahar, 2004.

Nota sobre a criança (1969). In Outros escritos. J. Lacan. Jorge Zahar, 2004.

* Michele Roman Faria é psicanalista, doutora em psicologia clínica pela USP e atualmente desenvolve pós-doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. É autora de Constituição do sujeito e estrutura familiar (Cabral Editora e Livraria Universitária, 2003) e Introdução à psicanálise de crianças: o lugar dos pais

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