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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Eu posso parir

Todas as mulheres da minha família, nas últimas gerações, pariram. Todas! Minha bisavó teve sete lindas filhas. Todas saudáveis. Todas nasceram de parto domiciliar, na época assistido apenas por parteira tradicional. Minha avó materna teve 10 filhos. Todos, com exceção do último, nasceram de parto domiciliar também. O único que nasceu em hospital, o mais novo, foi parido também. E olha que minha avó, apesar da experiência de ter vivenciado nove partos, teve sua hora ignorada pela enfermeira que “auxiliava” as mulheres do pré-parto. A tal enfermeira disse que ainda ia demorar. Minha avó deu à luz, mesmo sem a ajuda da mulher, em menos de dez minutos naquele dia. Minha avó paterna teve uma situação mais complicada. Meu pai, seu único filho, estava nascendo em casa. Eis que nasceu um pé e um braço, e o trabalho de parto estacionou. Minha avó morava em uma pequena cidade do interior. Ele foi devolvido à barriga (!!!!) e minha avó trazida para a capital. Aqui o parto foi concluído com a ajuda de médicos, mas não foi uma cesariana; os médicos perguntaram se deveriam salvar ela ou o bebê. Escolheram salvar a mãe, mas, como podem perceber, meu pai sobreviveu (sem sequelas) e estou aqui contando a história. Isso aconteceu no início da década de 50. A cesariana já existia, mas os médicos preferiam ajudá-la a parir. Ah, ela estava com quarenta anos. Alguém tem dúvida que hoje ela teria sofrido uma cesariana?

Minhas tias pariram. Tias maternas, não tenho tias paternas, visto que meu pai é filho único. Todos os meus primos e primas nasceram de parto normal. A propósito, todas as minhas primas que têm filhos também pariram, e olha que são da nossa geração (incrível)!

Minha mãe também pariu. Foram três filhos. Partos cheios de intervenção, é verdade. Todos partos hospitalares. Mas fiquei orgulhosa da minha mãe: esses dias ela contou que, quando estava me trazendo ao mundo, recusou o famoso sorinho. Ela me disse que não queria nada na mão dela, atrapalhando sua mobilidade. E olha que ela nem sabia que aquele tal sorinho poderia conter substâncias para acelerar o trabalho de parto. O médico? Disse “deixa” pra enfermeira. O que ele podia fazer pra controlar aquela mulher tão dona da situação? Ah, e quase “sentou” na maca, hahaha! Escolheu a posição que queria pra parir. E ainda me revelou que o sonho dela era parir na água!

Eu não pensava em ter filhos. Aliás, pensava. Mas temia. Temia tudo, mas principalmente temia a dor. Não consigo explicar o porquê, mas tinha pavor. Não sei se a culpa é das cenas criadas para telenovelas ou se pela formação que recebi, aprendendo que “por causa do pecado, Deus multiplicou as dores do parto”. O fato é que, juntando-se os medos das dores e as dores que a responsabilidade de educar um ser humano traz, havia desistido de parir. Aliás, mais que isso, havia desistido de ser mãe.

Acontece que, tão inexplicável quanto o surgimento dos medos, voltou à tona a vontade de deixar um pouquinho do meu DNA para as gerações futuras. Junto com essa vontade, veio o desejo de buscar informações, saber se realmente era verdade que parir é sinônimo de sofrer. Na minha cabeça, parir era um mal necessário. Um sofrimento obrigatório para quem deseja gozar da benesse que é o ser mãe. Mal sabia eu que atualmente, no Brasil, o difícil é alguém acreditar que uma mulher precise passar pelo parto para ser mãe.

Comecei a ler e a ficar assustada. Parir é bem mais, muito mais difícil do que eu acreditava. Não, não falo aqui de dores cinematográficas não. O medo dessas, perdi. Descobri que dor é algo relativo e que existem formas naturais e eficazes de diminuir a sensação de dor. Descobri também que a famosa dor do parto nem é intermitente. Que quando ela se torna contínua está perto do bebê chegar. Que o corpo da mulher libera hormônios que produzem sensação de prazer no processo do parto. Descobri até – pasmem – que existem mulheres que afirmam ter parto orgásmico!

Mas então por que parir se tornou uma tarefa tão difícil? Simples: quase ninguém mais acredita que a mulher pode parir. Na maioria das vezes nem mesmo a própria mulher acredita. Um processo que, antes, era considerado fisiológico é agora encarado pela maioria como uma situação de extremo risco, como se o bebê do século XXI fosse uma bomba relógio dentro da mãe, que precisa ser desativada antes de explodir. E como se o médico “cesarista” fosse um herói, um ser fantástico capaz de desativar essa bomba. A maioria das mulheres ouve, desde a primeira consulta do seu pré-natal, alguma desculpa para ter sua barriga cortada e seu bebê extraído. Ah, as mulheres de hoje em dia só produzem bebê com cordões assassinos! E tem mais: muitas têm uma evolução às avessas, pois têm quase sempre um quadril muito estreito (!?) para a passagem do bebê! O que Darwin diria sobre isso?

Felizmente existem algumas mulheres – raras mulheres – que acreditam que são capazes, sim, de parir! Encontrei algumas dessas mulheres na minha busca por informações. Mulheres que ainda lembram que são humanas, de carne e osso. Que são mamíferas, menstruam, que têm útero. E que foram “feitas” fisiologicamente para parir. Mulheres que ainda sabem que são animais, bicho-gente. Dito assim parece assustador, mas essa é a nossa essência: somos animais, somos natureza. Por perder essa essência, creio eu, é que nosso planeta está se degradando (mas isso é assunto pra outro texto). Descobri que quero ser uma dessas mulheres, que não tem medo de sangue, que não nega dores, mas que entende que elas são suportáveis e fisiológicas, uma resposta natural de um corpo que se prepara pra produzir um dos mais espantosos e lindos feitos da natureza. Hoje compreendo que um trabalho de parto não é sinônimo de sofrimento, e que é um evento natural da vida de uma mulher saudável.

Decidi que quero ser mãe. Não, ainda não estou gestando, pelo menos não no meu útero. Estou gestando no meu cérebro. Como humanos, temos uma condição diferente de outros seres da natureza, podemos planejar nossas ações. Sim, é a razão. A tão aclamada razão. Decidi usá-la a meu favor. Decidi refletir sobre o assunto parto antes mesmo de ter um bebê no ventre, e cheguei a conclusão que me parece mais óbvia: parir é a melhor forma de trazer um filhote de humano ao mundo! Simples assim! Depois de ler e conhecer muitas histórias, mas ainda não todas que posso até engravidar – e parir – descobri que, apesar da “hospitalização” e “medicalização” do nascimento, – fantástico (!) – , a mulher pode parir! Vejam, comecei mostrando que isso é fato, foi assim com minhas “ancestrais”, com as mulheres da minha família. E por que comigo será diferente? Infelizmente é bastante difícil convencer as pessoas dessa conclusão óbvia. Porém percebo que a grande diferença está no que eu mesma acredito, e que cabe a mim lutar para alcançar a realização dessa meta. Sim, eu quero, eu desejo, eu escolho parir! Eu posso parir!

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